Tuesday, February 19, 2013
I just received a letter...
Wednesday, October 08, 2008
Tadeu Martins e a Inquisição
Jornalista e chargista
Depois da demolição contínua e sistemática de prédios históricos em Santo Ângelo, onde a política de tombamento nunca foi exatamente o ponto forte das administrações, a mais recente agressão ao patrimônio ocorre dentro de uma igreja. Recentemente “reinaugurada”, a Catedral Angelopolitana, abriu suas portas para os fiéis e os turistas ostentando uma mutilação grave. A pintura mural executada no altar central, há menos de vinte anos, pelo artista plástico Tadeu Martins, desapareceu.
Todos lembram que a grande polêmica se dava em torno da imagem de uma índia de seio desnudo. Nada mais adequado ao sétimo povo missioneiro que tivesse dentro de sua catedral a marca maior de sua obra, numa referência à evangelização dos índios Guarani. Justamente pela fidelidade histórico-astística dessa representação, onde os verdadeiros donos desta terra aparecem em estado puro, despreocupados de pudor, a comunidade não só perde uma obra de arte magistral, como também reproduz o preconceito do colonizador para com as culturas diferentes.
Na tarefa cruel da submeter povos gentios à tutela do deus cristão – que se desenvolvia paralelamente na busca por ouro e territórios –, muito sangue nativo foi derramado. Levou tempo até que os Guarani tivessem que optar entre cair nas mãos dos bandeirantes escravizadores e se deixar “domesticar” no aldeamento das missões jesuíticas. Mas a glória da experiência missioneira, sempre evocada na arquitetura monumental e nas artes remanescentes, tem nos nativos uma história de resistência que a própria Santa Madre Igreja evoca com desconforto – quando o faz! E isso vem à baila quando perguntamos o seguinte: Por que, em quase século e meio de dominação, as reduções não produziram um único padre índio?
A resposta, ironicamente, vem de um jesuíta paraguaio, padre Bartolomeu Meliá, talvez a maior autoridade em estudos missioneiros ainda viva. Escreve ele que a religiosidade dos índios não reconhecia o pecado. Logo, desprovidos de culpa, não teriam como ser submetidos pelos padres, porque o maior instrumento de coerção da cristandade – a ameaça do castigo eterno – não surtia efeito. Essa pureza ainda pode ser observada por aqueles que convivem com os atuais Guarani da região missioneira. No entanto, os esforço pela descaracterização dessa cultura hoje prossegue quando autoridades mal-intencionadas ou ignorantes estendem luz elétrica e televisão até os acampamentos. Perdendo o status de índios, que ainda os protege um pouco, e isolados de sua identidade, tornam-se párias a esmolar na porta do templo.
A nudez na índia de Tadeu Martins foi acusada de ofender a sacralidade do altar. Mas como fica esse mesmo respeito ao sagrado se o sacerdote for um pedófilo, um delator, um omisso ou um legitimador de desmandos aboletado no regaço confortável dos coronéis de plantão? Há uma moral putrefata flutuando pelas naves da nossa catedral, emitida pelos porões ancestrais da inquisição. Nem estamos evocando o bom selvagem idealizado por Rousseau, mas um povo verdadeiro a cuja sabedoria a Igreja deveria se curvar. No entanto, aquele preconceito doentio deixa seus herdeiros. E Jesus Cristo, que, numa metáfora pela inocência, pedia que deixassem ir a ele os pequeninos, vê a representação dos seus indiozinhos apartada de sua companhia justamente por obra de um religioso. Não é uma incoerência?
Saturday, August 30, 2008
Saturday, December 15, 2007
RMS ataca novamente
Ontem eu me dei o trabalho de ler toda a cadeia de mensagens no histórico da openbsd-misc. Confesso que em certos momentos me deu raiva, mas no final a única coisa que consegui sentir pelo Stallman foi pena. O sujeito está visivelmente doente e precisa de auxílio profissional o mais depressa possível. Somente um ególatra descontrolado teria a petulância de entrar na lista do OpenBSD e dizer “isto aqui não tem a minha bênção”. Como se isso em algum momento tivesse sido importante para as pessoas que fazem o OpenBSD! Não é surpresa que as respostas tenham sido tão ríspidas e que o Theo tenha aproveitado a oportunidade para despejar toda a sua ironia. Pediu, levou.
É lamentável o que acontece com o Stallman. Ele fez um esforço enorme em prol do software livre quando escrevia software, e merece respeito por isso. Desde que resolveu se tornar pregador, porém, ele se dedica a propagar a mensagem errada. Infelizmente não faltou quem lhe desse ouvidos e, muito pior, tomasse suas palavras como a verdade divina entalhada na pedra.
As conseqüências do modo de agir do Stallman, entretanto, já se fazem sentir. Muitos entusiastas de Linux, entre os quais ele costumava ser idolatrado, já lhe torcem o nariz e lhe dão pouco crédito. Isso não é de hoje. Eu mesmo sou uma dessas pessoas e tenho muitos amigos linuxeiros que também estão “por aqui” com o Stallman há anos. A coisa só se agravou com o passar do tempo.
A coisa mais sensata a fazer com relação ao Stallman é conservar uma respeitosa e segura distância. E ter um porrete bem grosso sempre à mão para o caso de ele querer se aproximar.
Saturday, April 28, 2007
Não existe software livre
Até hoje há quem não entenda o sentido real deste texto. Basta lê-lo com atenção para ver que ao negar a existência do "software livre" eu tentava ressaltar a importância de as pessoas serem livres.
Enquanto o mundo inteiro fala em globalização e até o ser humano se transforma em mercadoria, um número cada vez maior de pessoas parece remar contra a corrente: os fazedores de Software Livre. Nem tudo são flores, porém. A ameaça constante do "Império do Mal", em geral na figura da Microsoft, vem sendo usada por alguns como justificativa para impor um conceito particular e unívoco de liberdade, o que é preocupante. A ética das megacorporações (ou a falta dela), é inaceitável, sem dúvida, mas nem por isto podemos nos tornar fanáticos ou autoritários. Este artigo lança um pouco de luz sobre o tema, em geral tratado de modo superficial, por vezes com conotações dogmáticas. É certo que se não defendemos nossa liberdade corremos o risco de perdê-la, mas antes de tudo devemos saber o que defendemos, e para quê.
Liberdade é a faculdade de fazer ou não fazer algo, de escolher. Seu oposto é o cativeiro, a negaação do direito de escolha. Sociedades limitam os atos das pessoas para equilibrar o convívio entre elas, por isto a liberdade material (de agir, ter e dispor) é um bem relativo. Já a Liberdade espiritual (de crer, saber, criar e pensar) pode ser exercida intimamente, como direito absoluto.Quando ambas se cruzam, entram em pauta os direitos relativos de expressão, reunião e associação.
A liberdade só tem valor para quem é consciente dela. Assim, "software livre"como sinônimo de não-proprietário é uma imprecisão. Pessoas podem ser livres; software, sendo inanimado, não. Ele é uma "coisa", que pode ter dono ou ser de domínio público (sem dono, ainda que com autoria). No caso do software livre, costuma-se confundir propriedade e autoria, criando uma anomalia no conceito.
A maioria do software dito livre tem proprietário, o detentor do copyright. Se ele fosse de domínio público, poderia ser usado por qualquer um, com qualquer fim, mas como tem dono é usado segundo as condições impostas em uma licença.
A licença para código aberto mais conhecida é a GPL (General Public License). Há quem pense que só software distribuído sob GPL é "livre", ou que ao usá-la se está protegendo a própria liberdade e a dos outros. Na realidade, licenças limitam de algum modo a liberdade do usuário do produto, e a GPL o faz como bem absoluto, não relativo: ao invés de dizer o que outros podem fazer com o produto do meu trabalho, ela diz o que eu posso fazer com ele.
A GPL permite usar, modificar, distribuir, e até vender versões modificadas do software, desde que o código-fonte também seja distribuído. Se o código for modificado, as modificações deverão ser divulgadas, e ao usar parte do código em outro software, este também terá de ser distribuído sob GPL (por isto ela foi apelidada de "vírus GNU"). Isto impede, alega-se, que alguém se apodere do software "livre" e o torne "proprietário", mas a alegação é incorreta: o que existisse antes da modificação continuaria pertencendo ao antigo dono, e distribuído segundo seus termos. Um exemplo é o X Window, incluído há anos nos UNIX comerciais, que apesar disto continua de código aberto.
Licenças liberais, como as do X Window e do BSD Unix, permitem distribuir conhecimento por meio do código-fonte. Pode-se ler o código, usar partes dele e aprender, sem receios. Licenças restritivas são vantajosas comercialmente. A GPL, seja esta sua meta inicial ou não, é ótima para empresas que distribuem produtos de código aberto. Ela permite obter melhorias e correções feitas por outras pessoas, ao passo que dificulta a criação de produtos concorrentes com vantagens competitivas. Isto nada tem a ver com liberdade, mas uma licença só consegue controlar os atos de quem usa o software, não as intenções.
A questão que se levanta aqui, então, é: "Que direito tem alguém de tentar impor aos demais as regras segundo as quais eles devem distribuir o software que criaram?". É admissível que se defenda um princípio, mas liberdade é algo que se conquista a partir de uma tomada de consciência do seu valor, e do quanto vale a pena preservá-la. Não é algo que se possa injetar como uma vacina (ou doença, para usar a metáfora do vírus). Por mais que seja o nosso entusiasmo por software livre, e a convicção de que ele é benéfico para todos, adotar uma atitude de imposição é algo muito perigoso.
Chocam-se, portanto, duas concepções: código-fonte como produto, bem de uso, ou como conhecimento, bem espiritual. Licenças de uso inspiradas na primeira concepção, como a GPL, impõem a primazia do direito material do detentor do copyright sobre o das outras pessoas. As inspiradas na segunda concepção, como as do X e do BSD, resguardam o direito moral (crédito pela autoria), mas não impedem que outros optem pelas condições sob as quais distribuirão o resultado de seu trabalho.
Thursday, April 26, 2007
Licenças BSD e GPL: uma breve comparação
(ou: flames > /dev/null)
Este artigo foi escrito para o nº zero do BSDemRevista, lançado em maio de 2003 no Fórum Internacional de Software Livre (Porto Alegre, RS). Nele são feitas algumas comparações entre a licença de software adotada nos sistemas operacionais derivados do BSD Unix e a General Public License, adotada pela Free Software Foundation.
Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós!
Talvez por falta de informação, tornou-se comum a idéia errônea de que todo Software Livre é distribuído sob os termos da General Public License (GPL), da Free Software Foundation (FSF). Isto decorre da propaganda agressiva da FSF e seus seguidores, reforçada por ser a GPL a licença do kernel Linux, que serve de base para inúmeros sistemas operacionais muito populares. A maioria dos sistemas derivados do BSD Unix, porém, usa uma licença mais simples e liberal. Este artigo compara as duas e pesa os prós e contras de cada uma. Antes de ler o texto, fique ciente de que minha opinião não é neutra; sou adepto da licença BSD e seria hipocrisia fingir o contrário. Sei que comparações como esta podem levar a discussões intermináveis, xingamentos e ofensas pessoais, mas não me interessam celeumas desse tipo, como bem denota o título do artigo.Os termos "livre" e "proprietário" são usados ao longo deste texto como adjetivos convenientes para designar algo cujo significado é bem mais complexo. A liberdade só existe e tem valor para quem é consciente dela. Pessoas podem ser livres; software, sendo inanimado, não. Ele é uma "coisa", que tem uma autoria (individual ou coletiva) e pode ter dono ou ser de domínio público (sem dono, ainda que com autoria).
Copyright e licenças
Cópia, distribuição e modificação de software e demais formas de produção intelectual são atividades reguladas por lei. Cada país tem sua própria legislação, mas há também acordos internacionais, o que torna Propriedade Intelectual um tema complexo, cuja discussão profunda extrapolaria o escopo deste artigo. Apresenta-se aqui apenas alguns conceitos básicos indispensáveis.
No Brasil há leis que dispõem sobre direito autoral em geral (lei 9609/98) e sobre propriedade de software em particular (lei 9610/98). O País reconhece, por doutrina jurídica, legislação e jurisprudência, dois tipos de direito:
- Direito comercial. Trata da exploração comercial da obra. Este direito é
- transferível: o detentor pode outorgá-lo a outrem, exclusivamente ou não, possivelmente em troca de pagamento;
- renunciável: o detentor pode autorizar que outros comercializem a obra sem pagar por isto;
- revogável: o poder público pode cassá-lo em benefício da sociedade (à semelhança dos remédios para combate à AIDS, no Brasil);
- temporário: há um prazo definido para a exploração comercial da obra.
- Direito moral. Trata do crédito pela autoria e da proteção da imagem e da honra do autor. Este direito é
- intransferível: não se pode assumir a autoria de obra criada por outrem;
- irrenunciável: o autor não pode negar nem ter usurpada a autoria;
- irrevogável: nem o poder público pode revogar a autoria;
- perpétuo: a autoria é válida indefinidamente (vigora mesmo após a morte do autor).
No caso do software, confunde-se propriedade com autoria ao contrapor "livre" a "proprietário", criando um conceito anômalo: a maioria do software dito livre tem um proprietário, mas este cedeu o direito comercial ou pelo menos abriu mão da exclusividade sobre ele, sem ter necessariamente abdicado. Se fosse de domínio público poderia ser usado por qualquer um, com qualquer fim, sem autorização prévia; como tem dono, só pode ser distribuído segundo as condições impostas em uma licença de copyright.
Com a valorização da propriedade intelectual, empresas dos ramos de entretenimento e software têm pressionado por leis que lhes dêem mais poder sobre os usuários, prazos de exploração mais amplos e, por conseqüência, maiores lucros. O copyright, entretanto. dá ao proprietário controle apenas sobre a reprodução, distribuição e modificação da obra. Para burlar esta limitação as empresas de software adotam licenças que caracterizam a cessão do direito de uso do produto como um contrato de prestação de serviço. Isto visa evitar, entre outras coisas, que o usuário final revenda o software, como faria com um disco de música ou um livro que lhe pertencesse; permite também restringir o que o usuário pode fazer ao executar o software.
Esta é a principal diferença entre as licenças de software livre e proprietário: uma é licença de copyright, enquanto a outra é de uso. No primeiro caso quem distribui deve aceitar os termos da licença, não quem instala ou usa. Mesmo quem discorda da licença pode instalar e usar o software. O segundo caso é muito diferente: antes da instalação o usuário é apresentado ao texto da licença e precisa manifestar sua aceitação (ao pressionar um botão numa caixa de diálogo, por exemplo). Com isto estabelece-se um contrato entre o usuário e o proprietário do software.
A maioria dos fabricantes de software proprietário recusa-se a assumir a responsabilidade por danos advindos do uso do produto. Quando alegam que software livre não dá garantia alguma ao usuário, é puro cinismo. É fato notório, por exemplo, que se um defeito de fabricação num automóvel levar a um acidente o fabricante é passivel de punição, mas se um defeito no software prejudica o usuário o fabricante isenta-se de qualquer culpa. A recíproca, infelizmente, também é verdadeira: há pessoas que fazem proselitismo do Software Livre com base no fato de o software proprietário não dar garantias mesmo sabendo que software livre também não as dá.Descrição das licenças
O código fonte do UNIX chegou a Berkeley em 1974, proveniente da AT&T, onde tinha sido criado. Quanto o Berkeley Software Distribution (BSD) começou a ser distribuído, em 1977, cada usuário tinha de comprar da AT&T, detentora do copyright do UNIX, uma licença de código. Somente 1989 surgiu o "Networking Release 1", primeira versão livre, distribuída sob uma licença liberal, que vigora até hoje.
A licença BSD é fácil de entender, graças à sua brevidade.- O detentor do copyright cede os direitos comerciais, mas exige crédito pela autoria e propriedade.
- Redistribuições do fonte devem manter a notícia de copyright, as condições da licença e um aviso de que não há garantias nem se assume a responsabilidade por prejuízos decorrentes do uso do software.
- Distribuições binárias devem reproduzir na documentação essas informações.
- Os nomes do autor e seus colaboradores não podem ser usados para endossar ou promover produtos derivados sem permissão.
A GPL, por sua vez, surgiu como parte do projeto GNU (GNU is not UNIX), iniciado em 1984 por Richard Stallman. O propósito do projeto era criar um novo sistema operacional, inspirado no UNIX mas não proprietário como o UNIX era (daí o trocadilho no nome). Stallman argumentava que a comercialização do software impedia os programadores de se tratar como amigos, compartilhando programas. GNU não seria de domínio público, mas qualquer um poderia redistribuí-lo desde que não tentasse restringir o acesso ao código original ou às modificações feitas nele. Para garantir isto foi criada a General Public License (GPL).
A GPL permite que qualquer um redistribua o software desde que não tente restringir o acesso ao código original ou às modificações.
- Pode-se distribuir versões modificadas do fonte apenas sob os termos da GPL
- Versões em formato binário devem ser acompanhadas do código fonte, de uma oferta dele ao custo de reprodução ou de instruções de como obtê-lo
- Cópias devem ser acompanhadas da licença e nenhuma restrição adicional pode ser imposta ao recebedor
- Para incorporar partes do programa a outro distribuído sob condições direrentes, deve-se pedir permissão ao autor
- Não há garantia pelo programa e prejuízos decorrentes do seu uso não são imputáveis às partes envolvidas na distribuição.
Comparação entre as licenças
No que diz respeito à instalação, execução dos programas e aproveitamento dos resultados produzidos por eles, BSD e GPL se equivalem: regulam apenas cópia, modificação e redistribuição do software. A BSD permite distribuição de código objeto ou executável, sem o fonte. A GPL exige que seja fornecido o fonte, podendo-se cobrar pelo custo de reprodução, ou instruções de como obtê-lo (dizer onde obter uma cópia via Internet, por exemplo).
A BSD permite que o software seja incluído, no todo ou em parte, em outro software distribuído sob uma licença diferente. Com GPL é tudo ou nada: se alguém escrever um programa com milhares de linhas de código e incluir apenas algumas linhas de um código coberto pela GPL o programa inteiro tem de ser distribuído sob GPL, a não ser que se obtenha permissão explícita para a cópia (numa sutil contradição entre a licença e o preâmbulo, segundo o qual são as licenças de software comercial que nos privam da liberdade de compartilhar e modificar o software). Uma consequência desagradável disto é a falta de reciprocidade: pode-se incluir código distribuído sob licença BSD em software distribuído sob GPL, mas não o contrário.
Há outras sutilezas na questão. Mesmo que não se transcreva um código, o simples ato de lê-lo e parafraseá-lo pode ser legalmente considerado cópia, segundo Stallman (em mensagem pessoal). A simples leitura do código GPL para saber o que ele faz e escrever algo compatível torna-se arriscada. Não se trata de mera suposição; isto já aconteceu comigo duas vezes.
Argumenta-se em favor da GPL que licenças liberais como a BSD permitiriam transformar software livre em proprietário. Isto confunde cópia com apropriação, o que os fatos demonstram ser um erro. Todos os Unix comerciais incluem código do BSD, mas isto não impede que ele continue sendo livre. O uso do código do TCP/IP do BSD no Windows NT não tornou a Microsoft sua dona, apenas uma licenciada. Pode-se argumentar que ao fazer mudanças e possíveis melhorias (do que eu duvido; se pudessem fazer coisa melhor não teriam copiado) ela teria o dever de fornecê-las ao público, como fora o código original. Aí reside a diferença filosófica central entre as duas licenças: a GPL pressupõe que o proprietário original tem direitos sobre as modificações feitas pelo licenciado, e o obriga a fornecê-las; a BSD reconhece o direito autoral do licenciado sobre as modificações. Numa prepondera a vontade do proprietário sobre a do licenciado, na outra cada um tem direitos sobre aquilo que é de sua própria autoria.
Intencionalmente ou não, a GPL parece ótima para empresas que comercializem software de código aberto. Ela permite obter melhorias e correções feitas por terceiros, ao passo que dificulta a criação de produtos concorrentes com vantagens competitivas. Isto não significa que a BSD implique em uso comercial sem contribuição à comunidade. Veja-se o exemplo da Apple, que usa código do FreeBSD no Darwin, base de seu sistema operacional MacOS X: não só as modificações feitas no código original são fornecidas ao projeto FreeBSD como os desenvolvedores são pagos pela Apple para fazer isto. Inúmeros exemplos deste tipo existem, envolvendo também o NetBSD e o OpenBSD.
Wilfredo Sánchez, líder inicial do Projeto Darwin, disse certa vez em uma entrevista que prover as modificações de volta à comunidade é a melhor política, mesmo que isto não seja obrigatório. Ele cita o exemplo do sistema operacional NeXTStep, baseado no BSD 4.3, que ficou em descompasso com a versão de código aberto, o que impossibilitou aproveitar melhorias posteriores ocorridas no BSD. Com o Darwin, a Apple aprendeu a lição. Sánchez é da opinião que a GPL, em sua forma atual, inibe o compartilhamento do código ao invés de facilitá-lo.
Conclusões
Ao invés de tentar impor um conceito particular e unívoco de liberdade, a licença BSD deixa a cargo de quem modifica e distribui um software o direito de escolher entre compartilhar ou não suas contribuições. Isto não ocorre por ingenuidade ou conivência com o "império do mal", mas por uma postura mais realista e menos impositiva quanto às razões pelas quais pessoas e empresas se engajam no desenvolvimento de software.
Isto posto, qual é a melhor licença? Cada um deve escolher sua resposta. Minha opinião fica clara no artigo, mas ela não é a única verdade. Devido ao limite de espaço, muita coisa foi deixada de lado neste texto.